quarta-feira, 30 de abril de 2008

HORROR DO VAZIO

Sei que pode parecer repetitivo, mas afligem-me as megalomanias se apossando de algumas cabeças que assumem responsabilidades em relação a Luanda. Uns tantos acham que merecemos ter uma capital no estilo Singapura ou Hong Kong, com torres de quarenta andares (no mínimo) ao longo do mar. Não é forçosamente para amealhar umas comissões, como imediatamente pensam os nossos cérebros borrados de preconceitos, embora uns tantos aproveitem. Nada de novo, afinal: o mundo está cheio de processos por causa do imobiliário e o cinema e a literatura até já esgotaram o tema. O que me preocupa é muita gente estar sinceramente convencida que isso é que é bonito e assim é que será viver bem. Têm horror ao vazio que nas suas cabeças significa uma praça, um jardim, um parque, um desperdício de espaço que ficaria melhor com uma torre no meio (antes dizia-se arranha-céus, mas reconheço o exagero americano ao inventar o termo, porque os céus não têm costas, são da natureza dos anjos, e ninguém imaginaria um edifício a arranhar as costas de um anjo). Torre é melhor, lembra logo aquelas construções onde se enfiavam os prisioneiros para morrerem lentamente, como a célebre Torre de Londres, ou onde se aninhava o povo da Europa medieval para se defender de ataques. Torre sim, pois os seus utentes/prisioneiros vivem no medo de sair à rua, de viver a cidade, enclausurados e protegidos da miséria que espalham à volta de si.
Queixamo-nos do trânsito na baixa da cidade (não só na baixa, sejamos justos) e nem sempre escapamos de lá cair, porque ali está concentrado mais de metade do capital financeiro e dos serviços do país. E querem fazer mais torres, para atrair mais gente e mais carros? Que as torres vão ter parques de estacionamento, dizem os defensores das ideias futuristas. O problema é entrar ou sair dos parques, porque as ruas estão atulhadas de carros. Claro que há uma solução do mesmo estilo: fazer as ruas da baixa com andares, género auto-estrada em fatias sobrepostas, ou até com viadutos por cima dos prédios, a arranharem as nuvens. Isso seria um arranhanço útil. E já agora peço, façam um túnel por baixo da baía ou uma ponte a ligar o bairro Miramar à Ilha, assim chegamos à praia em cinco minutos, como era há vinte anos atrás. Como de todos os modos a ideia geral é dar cabo da baía e da Ilha, também tanto faz, mais ponte menos ponte… Suponho também que já deve haver negociações para se tirar a Igreja da Nazaré do sítio onde está, a ocupar indevidamente um espaço nobre para mais uma torre. Uma pequena concessão não fica mal, mantém-se a igreja na cave do edifício. A História que se lixe, não foi a lição da destruição do palácio de D. Ana Joaquina? Então continuemos. Neste afã de ocupar todos os espaços, proponho também acabar com o prédio dos correios, bem feio e sem valor arquitectónico por sinal, e já agora com a praceta à sua frente, outro desperdício de espaço. E aquele compacto e azul edifício que serve a polícia? Um quarteirão inutilizado! A polícia pode ocupar um andar da nova torre. Com menos agentes, claro, para se fazer encolher o Estado, assim mandam os compêndios do liberalismo económico, nossa nova Bíblia.
Problema que estamos com ele é que todas essas novas construções vão ter sérias infiltrações de água salgada, pois ali antes era mar. E o mar gosta de recuperar o que lhe roubaram, ainda mais agora com a previsão da subida dos oceanos, como em todas as conferências se apregoa. Vai ser lindo, com as fundações das torres a serem corroídas pelo salitre e os prédios a desabarem. Felizmente para eles, já não estarão cá os responsáveis nem os seus filhos. E os netos dos outros que se lixem.
Pepetela

2 comentários:

Anónimo disse...

Não se "passa por" Angola

É uma relação de amor/ódio, é uma contradição de sentimentos, ora se ama loucamente até às lágrimas ora se odeia brutalmente até tingir o rosto de roxo.
Este país não é um país qualquer... não se passa por Angola, não se é indiferente, não se encolhem ombros ao descrever Luanda...aqui vive-se intensamente cada dia.
Ninguém por aqui passou que por cá não tenha ficado, ou algo deixado por recantos e momentos guardados em cofres trancados a sete chaves.
Quantas vezes não me cruzo com histórias de memórias, de há 20 ou 30 anos, de pessoas que nunca mais viveram o seu presente sem a angústia de um passado que não passou.
Quantas vezes me cruzo com os filhos estudantes em terras além fronteiras que se fixam em pequenos grupos, como que a garantirem que não perdem as suas origens, chorando juntos numa kizomba agitada, as saudades da sua terra.
Não se passa por Angola.
Passei por Nova York, Milão, Londres...adorei Paris, Veneza, Cape Town, diverti-me em Los Angeles e comi optimamnete na Baía. Tenho histórias e álbuns, momentos e contos, que conto e reconto em noites de tertúlia. Passei por lá.
Mas não se passa por Angola.
As marcas cravadas em rugas de sol no corpo, as mãos envelhecidas de calor e mar, os olhos que vagueiam em busca da esperança do amanhã que chega e parte com uma velocidade ímpar.
A corrida contra o tempo, que teima em passar tão depressa!Ainda ontem havia guerra!Não podíamos viajar! Um agora que já é amanhã, de camiões a circular sem parar, de navios à espera no mar, uma baía salpicada de pirâmides contentores!
Não sei se quero andar em frente ou voltar para trás, se admiro um arranha céus ou se me lembro de uma praia deserta, se grito no trânsito ou se admiro o desenvolvimento.
Se reclamo as rendas ou se compro um apartamento...não sei se sorrio ou se choro nesta bolha em que vivemos, mas sei, com toda a certeza, que cá estou e ficarei, para o melhor e para o pior, até que a morte nos separe...

Paula Oliveira

Mana, achei este texto lindo e resolvi enviar
Fátima Borrego

Unknown disse...

Faty,
Adorei o texto, que nao conhecia e adorei ainda mais a tua visita.
E concordo plenamente com tudo o que ela diz!
Bjks e xi de saudades
Flor

My new "baby"

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