A grande maioria das memórias que guardo são agradáveis, algumas até contêm situações cómicas. Isso não quer dizer que não guarde também algumas memórias tristes. Essas deixei para o fim, mas como também quero deixá-las aqui, chegou finalmente o momento de o fazer.
A primeira ocorreu num dia de Julho de 1975. Era sábado e a minha mãe tinha hora marcada no cabeleireiro bem cedo. Como nos levantamos tarde, fomos levar a minha mãe ao cabeleireiro e depois o meu pai levou-nos, a mim e à Sacha, a tomar o matabicho ao café Mónaco, ali na Av. Dos Combatentes, ao pé da Alameda D. João II. Do outro lado da rua ficava a delegação da Unita.
Sentámo-nos à mesa, mandamos vir uns galões e torradas e como o café estava prácticamente vazio, nem tivemos de esperar muito. De repente, estava eu a saborear o meu primeiro pedaço de torrada, ouvimos muito barulho, e qual não foi o nosso espanto quando vimos, através das vidraças do café, aparecerem 2 tanques de Guerra! Seguiu-se um ruído ensurdecedor, explosões ! O mundo estava seguramente a terminar, mas nem tive tempo de me assustar porque o meu pai, apercebendo-se de imediato do que se estava a passar, atirou-nos às duas ao chão, com galões, torradas e tudo, e deitou-se por cima ! Em boa hora o fez, pois no momento seguinte, as montras de vidro estilhaçaram e a parede por trás das cadeiras onde estiveramos sentados ficou cravada de balas !
Por esta altura, os outros clientes e os empregados também já estavam no chão. No entanto, o meu pai apercebeu-se ràpidamente que não era possível ficar ali. Os disparos dos tanques iam na direcção oposta, mas o tiroteio da Unita vinha na nossa direcção. Além disso, eles tinham começado a atirar granadas, tínhamos de sair dali o mais rápidamente possível ! Arrastando-nos pelo chão, fomos lentamente avançando em direcção à cozinha do café. Não era fácil, havia vidro partido por todo o lado, e nem gatinhar podíamos! Pareceu-me que levamos um tempo infinito a chegar às traseiras do Mónaco, mas provávelmente foram só uns minutos ! Mas a luta estava bem acesa e não havia hipótese de sair do edifício em segurança. Ficamos à espera de um momento de calma que finalmente chegou. Saímos a correr para a Rua de el-Rei D. Dinis e só paramos quando já estávamos bem longe ! Foi uma época muito difícil em Luanda, foi também nesta altura que desapareceu um primo meu que nunca mais foi visto, nem vivo nem morto !
Houve imensas ocasiões no período antes da Dipanda em que tivemos de parar na estrada e metermo-nos debaixo do carro para escapar ao tiroteio, mas esta foi uma das únicas vezes em que senti medo de verdade !